Dia perdido

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14:22
Por: DiegoVArte

   Era para ser uma nova cidade, novas pessoas e lugares. Digo "era" por que nada que eu veja é novidade para mim. Tá certo, como qualquer pessoa parcialmente normal experimentei a sensação de ansiedade se apoderando do meu corpo. Afinal, descer do ônibus em uma cidade grande totalmente desconhecida  e sozinha não deixa de ser uma aventura, porém, algo que sonhei minha vida inteira.


   Peguei minha única mala no bagageiro do ônibus e me desfiz logo das porcarias que consumi durante a viagem, enquanto pensava a onde tinha colocado o endereço de minha nova residência tentava achar o local de saída da rodoviária  Achar a tal saída foi fácil, mas ao entrar no táxi lembrei de ter deixado o bilhete com o endereço junto as embalagens de salgadinhos. Apenas um pensamento me veio na cabeça nesse momento: "Tem como eu estragar mais ainda as coisas?". 
   A resposta para essa pergunta veio logo. O taxista impaciente devido minha amnésia em lembrar ao menos a rua, acabou me largando próximo a onde eu achava que era. Tentando ser racional, peguei o celular e liguei para o número da dona do apartamento, que felizmente eu tive a esperteza de guardar na própria agenda do aparelho, liguei uma, duas... na terceira senti um leve desespero achando que faria companhia ao morador de rua que me encarava do outro lado da rua. Comecei a andar e pensei  em perguntar no comércio local, mas perguntar o que? 
   "Moço, você sabe onde fica a rua que eu não sei o nome por que joguei fora o papel do endereço junto com os alimentos super calóricos que comi na minha viagem?"
   Ah... além de cada minuto ficar mais perdida, fico mais gorda também.
   Respirei fundo e pensei. Tinha um número na qual eu sabia que podia ligar, mas isso seria admitir que já comecei mal a busca de minha autonomia. Não era uma opção. Então, cheguei a uma pracinha e sentei no banco vazio mais próximo. Coloquei meus fones de ouvido e começou a tocar a música mais indie da minha playlist, aquela que fala sobre o céu, liberdade e amor. Por incrível que pareça aquilo me animou e reencontrei novamente o bom humor de quando saí da minha cidade natal. Me levantei, e ainda com a música tocando, caminhei a banca de jornal que ficava alguns metros de onde estava sentada. 

   - Com licença? - minha voz não conseguiu sobressair o som da televisão, então fiz o clássico pigarro insinuando que tinha alguém ali.
   Nada. O senhor de idade ou não me escutou, ou me ignorou. Falei um pouco mais alto, mesmo assim o velho não tirava os olhos do jogo de futebol. Minha paciência foi embora junta com a minha educação, bati com força o vidro que separava ele e eu. 
   Vi uma mão vindo em minha direção com o dedo indicador levantado, sinal de "espere um minuto". Pois é, fui ignorada. 
   Esperei exatamente 4 minutos, isso por que a música que tocava agora tinha aproximadamente esse tempo de duração e pude escutar ela inteira até o provável dono da banca resolver me atender. 
   - Posso ajudar? - finalmente a pergunta que eu queria ouvir.
   - Talvez, sou no-.. - não era uma boa ideia falar que era nova na cidade, certo? Nunca se sabe onde se tem um psicopata. - sou.. estou.. um pouco perdida, tipo, preciso achar a casa de uma amiga.. não sei ao certo o endereço. 
   - Bem, não tenho uma bola de cristal para adivinhar a onde você tem que ir, se é isso que você quer.
   E pela primeira vez tive vontade de esquecer todos aqueles ensinamentos de "deve-se respeitos os mais velhos" e retribuir com uma resposta mais grossa ainda. 
   - Não é isso que eu quero, apenas gostaria de saber se você pode me ajudar. Acredito que fica na rua das flores, mas não tenho certeza. Você sabe se essa rua tem aqui por perto por acaso?
   - Hum... - O velho rabugento retomou os olhos para a televisão e por alguns segundos achei que seria ignorada de novo. 
   - Sabe? - definitivamente não iria sair daquela banca sem uma resposta.
   - Acho que tem essa rua aqui perto sim, se eu não me engano fica umas 2 ou 3 quadras virando a esquerda no final dessa rua.
   - Ok, obrigada. 
   Escutei novamente o barulho de torcida gritando e apitos dizendo que o jogo tinha voltado. Nunca mais voltei aquela banca.
   Andei com o passo apressado e com o coração palpitando na esperança de achar meu futuro apartamento. Imaginei o que faria quando chegasse em casa, um banho, comer ou simplesmente me jogar em cima da cama. Nada disso iria acontecer, por que não achei a rua das flores. Fazia mais ou menos dez minutos que estava andando, e meu batimentos cardíacos saíram de esperançosos para desesperados novamente. Resolvi parar em uma padaria, comprei uma garrafa de água e tentei ligar para número de novo, nada. Por que diabos a dona do apartamento não está lá? 
   Começou a anoitecer, sentada na padaria senti uma calma. Não sabia para onde ir, não tem nada o que posso fazer, apenas esperar. Senti meus olhos encherem d'água e percebi que a música tinha parado de tocar, peguei meu celular e estava desligado. A bateria acabou. Não pude segurar e uma lágrima escorreu, escondi o rosto com as mãos torcendo para que ninguém visse. "Não preciso da ajuda de ninguém, posso me virar sozinha" falei para mim mesmo, mas pensar assim só me trouxe a sensação de solidão. 
   O mundo parou por alguns minutos, nada importava. O barulho das pessoas entrando e saindo, dos pratos e talheres ou da caixa registradora, nada me incomodava mais do que ficar parada ali sem rumo. E assim, por um momento desejei não ter saído daquele ônibus. Desejei voltar para a minha casa, na minha cidade que era minuscula mas sempre tinha alguém para conversar. Ali ninguém parava sua rotina, tudo se movia rápido demais. 
   A noite finalmente chegou, percebi os olhares dos funcionários me reprimindo por ocupar uma das mesas sem consumir nada. Então, me levantei e retribui o olhar dizendo que entendi o recado, fui embora. Não deixei para trás somente a padaria, deixei a cidade também. Peguei um táxi e disse que queria ir para rodoviária, enquanto olhava pela janela os prédios e casas passando, vi uma placa onde estava escrito "Rua das Flores". Comecei a rir comigo mesmo, o motorista sem entender muito bem perguntou o que aconteceu. Eu apenas disse: Na próxima vez saberei onde ir e não ficarei perdida. 
   Chegando na minha cidade natal, liguei de um telefone público o número pela qual estava evitando o dia inteiro. 
   - Mãe, me busca aqui rodoviária? 

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